10 outubro 2006

Quinze minutos de fama

Lembro-me de uma cena hilária no Porto de Santos, lá pelos idos de 1954: um casal de ingleses desceu do transatlântico Andes, da British Royal Mail, vestidos como se estivessem chegando no meio da savana africana do final do século XIX. Botas de cano alto, chapéu tipo colonial, roupas cáqui de mangas compridas e véu protetor de mosquitos sobre a cabeça. Como eram ingleses, não creio que tivessem percebido o rídiculo e, no máximo, devem ter comentado entre si que o desagradável daquele lugar era a presença de tantos estrangeiros...

Pois temo que as coisas estejam caminhando para a reprise dessa situação. Li, agora mesmo, um artigo - jamais seria uma reportagem - do Joe Sharkey, aquele jornalista do NY Times que estava a bordo do Legacy no terrível acidente do vôo 1907. Leiam aqui.

Está certo que a globalização, a velocidade de deslocamento e a necessidade de as pessoas irem cada vez mais longe em busca seja de lazer, seja do ganha-pão, leva a algumas sérias modificações de hábitos e a outras tantas precauções. Coisas normais de pessoas minimamente inteligentes, o que parece não ser o caso de Joe.

Além de ser mais ou menos óbvio que alguém que carregue um celular numa viagem internacional espere que essa moderna máquina de fazer doido funcione em qualquer lugar do mundo - desde que tenha cobertura de sinal para celular, evidentemente - Joe Sharkey parece não gostar definitivamente do Brasil.

Senão, vejamos: para começar, antes que começassem as investigações ele já defendeu os pilotos americanos com unhas e dentes, como se estes fossem os únicos anjos do céu. Não satisfeito, levantou dúvidas quanto à imparcialidade da investigação levada a cabo pela FAB e autoridades brasileiras. Como se não bastasse, disse que eles pousaram numa "obscura base da força aérea" no meio da floresta.

O que ele queria? Um hotel de cinco estrelas no Cachimbo? Até temos alguma coisa semelhante... Mas não numa base aérea de floresta, feita para militares a quem o luxo é coisa secundária, supérflua especialmente quando estão trabalhando. E não acredito que alguém queira passar férias no Campo de Provas Brigadeiro Velloso. Base esta que, diga-se de passagem, de obscura não tem nada.

Joe Sharkey, com todas as suas críticas ao nosso país, ao nosso sistema, à nossa competência como investigadores de um acidente aéreo, esquece-se de levantar as mãos aos céus e agradecer. E agradecer a Deus tê-lo colocado num avião que foi construído robusto o bastante para apenas quebrar uma ponta de asa, não danificar tão seriamente assim o profundor e que conseguiu pousar pondo-o junto com os seus companheiros de viagem, em segurança no solo da "obscura base da força aérea", Campo de Provas Brigadeiro Velloso. E esse avião tão robusto foi construído pela Embraer. A nossa Embraer, brasileira, dirigida por brasileiros, com trabalhadores brasileiros.

E, com certeza, dentre esses trabalhadores tupiniquins, o mais humilde dos faxineiros saberia que carregar um celular para o meio da selva amazônica é bem pior do que esse obscuro jornalista - tão obscuro que confessa no início de sua matéria estar aproveitando o pouco que lhe resta dos seus quinze minutos de fama - disse: "Fora dos Estados Unidos, ele [o celular que ele trazia] equivale a segurar na mão um cachorro quente com mostarda."

É pior, Mr. Sharkey. Pelo menos, o hot-dog você poderia comer.
O celular não dá. Aliás, não daria nem mesmo para ser usado como supositório.

1 comentários:

Anônimo disse...

Olá!
Na verdade não é exatamente para comentar seu blog que estou aqui, mas sim para saber da sua disponibilidade de comentar sua produção (vi diversos sites na internet) para um trabalho de mestrado em literatura de entretenimento.

Vou deixar meu e-mail e aguardo seu contato!

serena26@zipmail.com.br

p.s.: já visitei sua página. Um dos meus objetivos na pesquisa é verificar pq os leitores brasileiros dão preferência as literaturas importadas (do gênero) e se são preferências mesmo dos leitores ou imposição das editoras.
Em 2003 acessei a página da Monterrey e dei início a pesquisa, mas atualmente o site não existe mais.
Grata!

outro p.s.: ? risos, por favor, entre em contato!

10 outubro 2006

Quinze minutos de fama

Lembro-me de uma cena hilária no Porto de Santos, lá pelos idos de 1954: um casal de ingleses desceu do transatlântico Andes, da British Royal Mail, vestidos como se estivessem chegando no meio da savana africana do final do século XIX. Botas de cano alto, chapéu tipo colonial, roupas cáqui de mangas compridas e véu protetor de mosquitos sobre a cabeça. Como eram ingleses, não creio que tivessem percebido o rídiculo e, no máximo, devem ter comentado entre si que o desagradável daquele lugar era a presença de tantos estrangeiros...

Pois temo que as coisas estejam caminhando para a reprise dessa situação. Li, agora mesmo, um artigo - jamais seria uma reportagem - do Joe Sharkey, aquele jornalista do NY Times que estava a bordo do Legacy no terrível acidente do vôo 1907. Leiam aqui.

Está certo que a globalização, a velocidade de deslocamento e a necessidade de as pessoas irem cada vez mais longe em busca seja de lazer, seja do ganha-pão, leva a algumas sérias modificações de hábitos e a outras tantas precauções. Coisas normais de pessoas minimamente inteligentes, o que parece não ser o caso de Joe.

Além de ser mais ou menos óbvio que alguém que carregue um celular numa viagem internacional espere que essa moderna máquina de fazer doido funcione em qualquer lugar do mundo - desde que tenha cobertura de sinal para celular, evidentemente - Joe Sharkey parece não gostar definitivamente do Brasil.

Senão, vejamos: para começar, antes que começassem as investigações ele já defendeu os pilotos americanos com unhas e dentes, como se estes fossem os únicos anjos do céu. Não satisfeito, levantou dúvidas quanto à imparcialidade da investigação levada a cabo pela FAB e autoridades brasileiras. Como se não bastasse, disse que eles pousaram numa "obscura base da força aérea" no meio da floresta.

O que ele queria? Um hotel de cinco estrelas no Cachimbo? Até temos alguma coisa semelhante... Mas não numa base aérea de floresta, feita para militares a quem o luxo é coisa secundária, supérflua especialmente quando estão trabalhando. E não acredito que alguém queira passar férias no Campo de Provas Brigadeiro Velloso. Base esta que, diga-se de passagem, de obscura não tem nada.

Joe Sharkey, com todas as suas críticas ao nosso país, ao nosso sistema, à nossa competência como investigadores de um acidente aéreo, esquece-se de levantar as mãos aos céus e agradecer. E agradecer a Deus tê-lo colocado num avião que foi construído robusto o bastante para apenas quebrar uma ponta de asa, não danificar tão seriamente assim o profundor e que conseguiu pousar pondo-o junto com os seus companheiros de viagem, em segurança no solo da "obscura base da força aérea", Campo de Provas Brigadeiro Velloso. E esse avião tão robusto foi construído pela Embraer. A nossa Embraer, brasileira, dirigida por brasileiros, com trabalhadores brasileiros.

E, com certeza, dentre esses trabalhadores tupiniquins, o mais humilde dos faxineiros saberia que carregar um celular para o meio da selva amazônica é bem pior do que esse obscuro jornalista - tão obscuro que confessa no início de sua matéria estar aproveitando o pouco que lhe resta dos seus quinze minutos de fama - disse: "Fora dos Estados Unidos, ele [o celular que ele trazia] equivale a segurar na mão um cachorro quente com mostarda."

É pior, Mr. Sharkey. Pelo menos, o hot-dog você poderia comer.
O celular não dá. Aliás, não daria nem mesmo para ser usado como supositório.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá!
Na verdade não é exatamente para comentar seu blog que estou aqui, mas sim para saber da sua disponibilidade de comentar sua produção (vi diversos sites na internet) para um trabalho de mestrado em literatura de entretenimento.

Vou deixar meu e-mail e aguardo seu contato!

serena26@zipmail.com.br

p.s.: já visitei sua página. Um dos meus objetivos na pesquisa é verificar pq os leitores brasileiros dão preferência as literaturas importadas (do gênero) e se são preferências mesmo dos leitores ou imposição das editoras.
Em 2003 acessei a página da Monterrey e dei início a pesquisa, mas atualmente o site não existe mais.
Grata!

outro p.s.: ? risos, por favor, entre em contato!